sexta-feira, 29 de abril de 2011

Um perfil brasileiro


O Brasil tem se tornado um país cada vez mais urbano, isso é um fato. De 1940 para 2010, isto é, em um intervalo histórico de 70 anos, a composição da população brasileira saiu de um quadro em que 69% dos seus habitantes viviam no campo, para uma situação completamente diferente, onde 84,7% da população vivem nas cidades.
Considerando que 70 anos é um período muito curto – contempla basicamente 3 ou 4 gerações – e que o êxodo rural transcorre paulatinamente, podemos facilmente aferir que uma parte significativa da população urbana do Brasil tem suas origens nos campos. Não é difícil perceber que um número ainda maior da população é formado por cidadãos que se não viveram efetivamente no campo, são filhos ou netos de pessoas que lá viviam ou vivem. Isso significa que essa parcela da população ainda está profundamente envolvida com uma cultura rural.
Mas, o que isso pode interessar para a administração?
As origens de uma pessoa dizem muito sobre ela. Isso por que para cada cultura há maneiras próprias de comunicação, hábitos de consumo, velocidades e instrumentos de produção, bem como compreensões de mundo bastante específicas. A observação dessas peculiaridades pode fornecer ao administrador informações importantes para ações que vão de planos de marketing até planejamentos de produção ou logística.
Uma das principais questões dessa análise da origem das pessoas é tentar entender como elas se autocompreendem, isto é, como elas se entendem diante do mundo em que vivem. Essa autocompreensão é determinante para o seu comportamento e para as suas relações sociais. As características de uma pessoa, principalmente aquelas que se referem aos hábitos de consumo, trabalho e vida social estão diretamente ligadas aos símbolos, valores e opiniões incorporadas por ela a partir da cultura em que está inserida. Isso é autocompreensão!
Quando uma população se desloca geograficamente tão rápido como fizeram os cidadãos brasileiros que migraram da vida rural para uma experiência urbana, a sua autocompreensão não é simplesmente abandonada, como se estivesse ligada ao lugar e não às pessoas. Pelo contrário, apesar da mudança do ambiente cultural, sua forma de se entender no mundo continua interferindo profundamente em sua nova formação social, colaborando para a construção dos seus novos hábitos e comportamentos.
Assim, as pessoas de origem rural – que não saíram do campo expulsas pela fome ou em razão de qualquer outra experiência má – trazem consigo um conjunto de lembranças próprio de quem saiu do marasmo para a agitação, compondo um comportamento saudosista que o aproxima de tudo aquilo que os remetem à velha vida. O temperamento mais tolerante, com pouca disposição para reclamar os seus direitos, um senso moral aguçado, que valoriza as cargas religiosas, os símbolos iconoclastas, o significado de honra, etc., também fazem parte do perfil desse novo cidadão brasileiro, ou, quem sabe, poderíamos dizer, desse velho cidadão que compõe o novo Brasil.
Podemos, então, perceber um Brasil ainda em pleno movimento de transformação cultural, saindo de uma conjuntura de agricultores e criadores de animais para uma geração high-tech. Um movimento só de ida, sem a menor possibilidade de retorno, que transforma definitivamente tudo o que somos enquanto povo. Mas, será que essa transformação anula a história do brasileiro que até pouco tempo tinha os seus dedos fincados no barro das plantações? É claro que não. Assim, a administração ainda tem muito a aprender sobre esse incrível movimento cultural.
Algumas lições que podemos tirar dessa informação:
O fator comunicação deve estar ligado, neste caso, aos princípios morais do receptor se quisermos que a mensagem seja absorvida, provocando efeitos positivos. Assim, a área de publicidade e propaganda, como elemento do marketing, deve analisar não apenas as mensagens que são bem recebidas, mas, principalmente, aquelas que surtem o melhor efeito em uma população com origem rural. O apelo erótico, por exemplo, parece falar muito bem a todos os públicos. Mas, o que tal apelo fala de fato a um povo de origem rural? Será que ele fala com a mesma profundidade que as lembranças da infância? Dos ancestrais próximos? Da natureza própria do lugar do seu passado?
O produto deve atender as expectativas de uma população que se encontra em período de transição, querendo avanços tecnológicos úteis e, ao mesmo tempo, ainda que sem perceber, tem o desejo de manter suas raízes. Assim, os produtos modernos devem ter uma imagem voltada para a concepção dos valores incorporados sociologicamente por quem vai usá-lo. Por exemplo, os notebooks e as tecnologias portáveis devem vender a ideia de mais tempo para realizar outras coisas, como estar com a família, ou cuidar de si, fazendo algo que estabeleça contato com as suas origens.
O perfil de consumo do povo brasileiro merece estudos bastante delicados, levando em consideração suas origens culturais e suas idiossincrasias. Não dá para continuar imitando cegamente os modelos enlatados oriundos dos Estados Unidos, da Europa ou do Japão. Já está na hora de desenvolver uma administração com cara e corpo brasileiro.